Sunday, July 29, 2007

A Brasileira


A meio da tarde o dia ainda não foi encetado,

parece barricar-se nas folhas moles

dalgum livro. Tu já sabes corno eu gosto dos cafés

nas horas de pouco movimento. Os empregados

podem entregar-se a querelas ruidosas nessa altura

e os reformados na mesa do fundo vão dizer em voz alta

aquilo que pensam sobre o governo.

Ao princípio da noite é como ter sangue

nas mãos. Talvez o tempo ainda se componha, talvez possa

telefonar a um amigo. É certo que nas ruas se torna mais fácil

distrair o medo, há sempre espaço onde pousar

a cabeça. Mas em que me torno no quarto quando não estás

a olhar? O cheiro da comida flutua ainda pelos corredores,

sente-se o peso que dorme no escuro até às entranhas.

Se pudesses ver como isso às vezes me magoa.



Rui Pires Cabral

música antológica & onze cidades

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