Atropelam-ses rios em demanda do mar; verga-se
as costas ao chicote das ondas. Os espinheiros
que crescem sobre as dunas iniciam as aves
nas punições do mundo. Quem se encosta
ao ombro descarnado da falésia vê o fantasma
da morte acenar-lhe do abismo; e o mesmo sol
que ofende os muros em ruínas e açoita os pontões
humilha os deuses e desafia os homens. Por isso,
ao poente, se alguém risca no dorso das areias
novas nomenclaturas, explodem no céu dilúvios
e tormentos, que desfraldam as velas, invertem
as marés, desatinam as bússolas e confundem
quem vai ao leme sobre o recorte das arribas.
(Mas se há naufrágio guarda-se segredo da tragédia
nos arquivos das estrelas - que o vento vem de noite
aos ossos dos navios dar destino à paisagem e
contorno á mentira.) Aqui acaba a terra; e uma pátria
como esta não se submete sem revolta à espessura
da página, nem se escreve a cores na cegueira dos mapas:
subsiste apenas nos retratos efémros de quem subiu
à escarpa e, iludindo a arquitectura da luz, espreitou
impunemente no decote do mundo e lhe arrancou a alma.
Maria do Rosário Pedreira

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